O Apartheid não acabou
Nayara Menezes
Nayara Menezes
Há 20 anos, o mundo assistiu a libertação daquele que viria a se tornar um dos mais importantes lideres mundiais na luta pelo fim do Apartheid e pela liberdade dos negros na África do Sul. Após 27 anos confinado, Nelson Mandela pôde comemorar o fim do regime que separava negros e brancos no país. Como é sabido, o regime, que durou quase 50 anos, segregava os negros, que eram impedidos de votar, estudar e só lhes deixava trabalhar quando e onde lhes era autorizado. O direito de ir e vir também não era assegurado. Poucos conseguiam o chamado passe, que lhes permitia transitar, em áreas que eram destinadas a brancos. Finalmente, graças a Mandela, que de dentro da prisão conseguiu promover uma rebelião pacifica, em 1990 o apartheid foi abolido.
Infelizmente esse passado, não muito distante, deixou marcas profundas nesse país, o mais rico desse pobre continente africano. A separação racial acabou no papel, mas, ao estar na África do Sul, fica claro que a separação entre brancos e negros ainda prevalece. Aos brancos estão destinados os melhores bairros, os mais sofisticados restaurantes e os carros de última geração. Já os negros são vistos no trem, nos ônibus ou atrás do balcão. A separação por cores não é mais lei, mas é notável e baseada na história e na situação econômica e social.
Aos negros foi negada a oportunidade de estudo e trabalho anos atrás. Por isso, dificilmente se encontra um negro em posição social elevada por aqui. Salvo exceções, eles compõem a massa de assalariados e o esmagador contingente de trabalhadores informais, desempregados e miseráveis do país, que não são poucos. A maioria não tem grau elevado de instrução. Se no passado, eles estavam confinados nas famosas townships – favelas horizontais - por uma ordem superior, hoje ainda permanecem lá. Poucos conseguiram ascensão social.
No inicio do mês de abril, o assassinato de Eugène Terre Blanche, líder do Movimento de Resistência Africâner - organização de brancos radicais - reacendeu as discussões sobre a separação racial no país. Defensor do apartheid , ele foi morto em sua fazenda por dois empregados negros. O episódio foi o estopim para inflamar a polêmica sobre a discriminação e levantou dúvidas em relação à segurança da realização da Copa do Mundo de Futebol, marcada para menos de dois meses. Dados dão conta de que cerca de 3 mil fazendeiros brancos já foram assassinados no país.
O presidente Jacob Zuma condenou o assassinato e pediu cautela na divulgação do fato. Segundo ele, é preciso evitar que a África do Sul volte ao período de violência que marcou a transição do apartheid para o regime democrático. Zuma teme a volta do conflito violento racial. O que não é difícil de prever, especialmente no momento em que o mundo tem os olhos voltados para o país sede do maior evento do esporte mundial. Os mais radicais de ambos os lados prometem aproveitar as luzes para chamar a atenção para as divergências.
A líder branca mais representativa da África do Sul ,no momento, a governadora do Cabo da Cidade do Cabo, Helen Zille, declarou que o crime “inevitavelmente vai polarizar e inflamar paixões na África do Sul em um momento em que as tensões já estão elevadas”. As críticas têm como alvo Julius Malema, líder do Congresso Nacional Africano (CNA), partido negro que governa o país desde 1994. Figura bastante polêmica no país, Malema cantou uma famosa música anti-apartheid em comícios recentes. Um dos versos diz “mate os bôeres”, palavra que significa “fazendeiro” no idioma branco afrikans. Uma clara a defesa da separação por cores.
Como se vê, o preconceito e o ódio racial lamentavelmente ainda imperam nesse país, denominado a nação arco- íris, mas que está longe de ter a realidade colorida. Há algumas felizes exceções, brancos que se misturam com negros e vice e versa. Mas passados 20 anos do fim do regime, o que se percebe é que ainda são necessárias algumas mudanças, principalmente de mentalidade, para que o sonho de Mandela de equidade e união entre negros e brancos realmente se concretize. Por enquanto, o discurso do líder soa como utopia, em uma realidade de igualdade proferida, mas não concretizada.
* Artigo publicado no Jornal Hoje em Dia, domingo, 2 de maio, na coluna do PCO.